Memorial de Maria Moura



Ao decidir escrever Memorial de Maria Moura, - imenso painel sem retoque de relações sociais, culturais, morais e afetivas entre personagens sábia e comovidamente delineadas, Rachel de Queiroz adotou um estilo narrativo em que muitas sequências se encontram montadas à maneira de uma telenovela. Tanto é desta forma que a obra foi adaptada para a televisão para uma minissérie.

O romance é uma das narrativas mais marcantes da escritora, também cronista do Estado, e a trama situa-se em meados de 1850, no sertão. Misturam-se na narrativa todas as forças e fraquezas, todas as virtudes e defeitos da condição humana, desde o amor ao ódio, desde o crime ao remorso.

Na obra são retomados alguns dos temas básicos de Rachel de Queiroz: o Nordeste problemático, a preocupação social, a força da autora como criadora de figuras femininas singulares.

Memorial de Maria Moura, publicado em 1992, é escrito em primeira pessoa. Assim, a estória é contada por quem a viveu, e o leitor se delicia com a mudança constante de ponto de vista: ora fala a personagem Marialva, ora o Beato Romano, e, no mais das vezes, a própria Moura conversa com o leitor. É quase possível vê-la, sentada no batente da fazenda, dentro de suas calças de homem, contando os "causos" de sua vida.

Inicialmente, o romance tem três núcleos de ação: o de Maria Moura, dos primos inimigos dela e o do Padre José Maria (Beato Romão). Posteriormente surge o sub-núcleo Marialva e Valentim (com seus parentes mãe, pai e tio, no "circo"). Os últimos capítulos são narrados por Moura e pelo Beato que se joga numa aventura suicida com ela.


Essa dinâmica entre os três narradores torna a obra envolvente, e não se pode dizer que o livro traz uma estória apenas: são pelo menos três, uma contada pelo padre que pecou com uma paroquiana e virou beato, outra pela mulher do saltimbanco, outra pela moça que incendiou a casa e virou vaqueira. As três versões acabam se juntando e entrelaçadas, formam um painel de nordestinidade que a autora soube trabalhar muito bem.

Em Memorial de Maria Moura, a autora utiliza-se do discurso polifônico (várias vozes). Como já citado, são vários narradores, porém o que se pressente é que por trás deles esconde-se o pulso vigoroso da cearense e que os diversos narradores, dentre os quais Maria (cada capítulo carrega o nome de um deles) são como títeres da força reivindicativa de Rachel. Salientando: dentre os narradores estão o Padre José Maria, Irineu e Tonho (primos da Moura, o primeiro solteiro; o segundo, casado com uma megera chamada Firma) e Marialva (prima de Maria que fugiu e casou com um artista de circo, Valentim). A participação dos diversos narradores propõe uma certa ruptura com a linearidade.

Outros personagens vão ganhando destaque na trama: Duarte, meio irmão dos primos de Maria e filho da ex-escrava Rubina, ajudou Marialva a fugir; os capangas de Maria: João Rufo, antigo e fiel empregado do Limoeiro e "padrinho" da heroína, Zé Vicente, Juco e outros.


No início, Maria confessou ao Padre José Maria que ia mandar assassinar seu padrasto por ter abusado dela. Após os crimes, Maria arrancha-se com Amaro e Libânia, na Lagoa do Socorro. A miséria era absoluta. Maria assaltou umas pessoas e as coisas foram melhorando. Comida e equipamentos vão fortalecendo Maria e seu bando. Com o estilo folhetinesco nos são apresentados os colonizadores do sertão nordestino. Os que resistem agem de maneira brusca, lembrando muitas vezes um comportamento instintivo, atávico, onde o meio dita as regras. A Moura é o eixo, o ponto de convergência, símbolo do poder e da ambição. No final do livro, apenas ela e o Beato Romano narram. A narrativa em primeira pessoa vai impregnando o romance de subjetividade.

13 oct 2009

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