Pornopolítica

Os melhores textos de Arnaldo Jabor numa nova coletânea que revela as paixões e taras da vida nacional


Depois do sucesso das crônicas afetivas de Amor é prosa, sexo é poesia que já vendeu mais de 260 mil exemplares –, Arnaldo Jabor apresenta Pornopolítica Paixões e Taras na Vida Brasileira, nova coletânea de textos em que temas públicos misturam-se ao universo de nossas fixações interiores. "A paisagem dos últimos 15 meses da política nacional é realmente uma pornografia exposta", diz Jabor, que neste novo livro usa o cotidiano como matéria-prima para associar fato e ficção, mostrando paixões e taras que talvez preferíssemos ocultar. "Cineasta da palavra", como definiu Jô Soares, Jabor constrói imagens precisas para retratar sentimentos e criar polêmica. “A atividade que eu faço chama-se crítica cultural, que consiste justamente em descobrir aspectos políticos em fatos aparentemente superficiais, em analisar comportamentos da vida social, psicologias, maneiras de pensar e de ver, opiniões, preconceitos, hábitos. Isso é política também, só que está escondida feito um pinto dentro de um ovo”, explica o autor. Arnaldo Jabor se distingue como autor corajoso, misto de jornalista e ficcionista: “O que escrevo no jornal para mim é literatura, porque escrevo com esforço de atingir uma qualidade literária. Tem finalidade crítica e estética, estilística e literária.” No novo livro, memórias de infância se misturam a análises políticas e confissões sexuais, amorosas, daquelas que os homens costumam fazer secretamente. “Sempre gostei de escrever. Minha formação se deu pela literatura. O cinema chegou mais tarde, depois da literatura e do teatro. Eu lia Rimbaud, João Cabral, Jorge de Lima e muito teatro: Tennessee Willians, Eugene O'Neil, Edward Albee... Li muito Eça de Queiroz. Este sim é minha maior influência. Na minha formação, há também muito da literatura americana: Faulkner, Hunther Thompson, Norman Mailer, Scott Fitzgerald. Meu lance de amor com a literatura e com a dramaturgia é muito grande. Escrever não é um sacrifício para mim. É um prazer renovado” conclui Jabor.

24 sept 2009

A Menina sem Estrela


Nelson Rodrigues (1912-1980) é mais conhecido como escritor de peças teatrais, muita gente sequer imagina que existam outros textos em prosa, tão interessantes quanto seu teatro, como suas criativas e bem humoradas crônicas esportivas. Mas nada o representa melhor do que suas próprias memórias, estampadas nas 80 crônicas do livro "A Menina Sem Estrela" (referência à sua filha Daniela, que nasceu cega).

Estilo marcante
Tais crônicas foram escritas em 1967, para o jornal carioca "Correio da Manhã", quando Nelson Rodrigues já era famoso pelas montagens de suas peças teatrais e estava com 54 anos. Sendo memórias, começam da maneira mais tradicional possível: "Nasci a 23 de agosto de 1912, no Recife".

Mas como esta não era bem sua característica, visto que não suportava, "o óbvio ululante", imediatamente, muda de assunto, lembra que na mesma época, a espiã Mata-Hari estava em plena atividade em Paris e dá dados sobre a personagem como se ela fosse sua parenta.

Com Nelson Rodrigues era assim, os acontecimentos não precisavam ter uma conexão real e verdadeira, a ligação era feita por sua vontade e associação de idéias. Assim, já avisa que suas lembranças não aparecerão em ordem cronológica.

História do país
O autor de "Vestido de Noiva" vai contando tudo que tem vontade sobre a sua vida e a dos conhecidos, sem o menor pudor, e, ao mesmo tempo, nos apresenta, como pano de fundo, parte da história do Brasil do século 20, presenciada por ele.

Esta talvez nem tenha sido sua intenção, mas não é possível fugir da história, principalmente pelo fato de ele ter exercido a profissão de jornalista desde os treze anos, estando, deste modo, sempre perto das notícias, que surgem nas memórias com as impressões do dramaturgo: Revolução de 30, Estado Novo, suicídio de Getúlio Vargas, tempo de JK etc.

Dramas familiares e humor
Ainda que sua vida em família tenha sido cheia de momentos dramáticos desde a infância, o autor de "O Beijo no Asfalto" não perde o humor, que se apresenta ácido, corrosivo. Até dos momentos mais tristes ele consegue tirar graça, devido ao jeito que escreve, palavras que escolhe e o tom que nos apresenta.

A vida da sua família foi cheia de tragédias, que aparecem nas crônicas com naturalidade, como na de no 22, onde ele faz uma relação entre o sofrimento causado pela morte do seu irmão e sua produção artística: "o meu teatro não seria como é, nem eu seria como sou, se eu não tivesse sofrido na carne e na alma, se não tivesse chorado até a última lágrima de paixão o assassinato de Roberto".

Obsessões
Tudo isso coube dentro das suas peças teatrais. Ele conta, inclusive, em quais peças e em que momentos pôs em cena uma passagem verdadeira, devido ao peso do sofrimento que carregava. Com um olhar agudo, consegue pegar flagrantes do cotidiano e colocar em seu teatro, dando verossimilhança.

Também há crônicas onde estão expostas suas várias obsessões, dentre as quais: a infidelidade feminina, a nudez, a gripe espanhola, a úlcera, a tuberculose, a morte, os velórios, a cegueira e seu desejo enorme de ficar famoso e reconhecido por todos, apesar de achar a unanimidade estúpida. Acreditava que: "O que dá ao homem o mínimo de unidade interior é a soma de suas obsessões".

Frases de efeito
As frases de efeito são uma forte característica de Nelson Rodrigues e estão presentes em todos os seus textos. "O que nós chamamos de reputação é a soma dos palavrões que inspiramos através dos tempos", dizia. Noutra crônica, enquanto reclama da falta de criatividade das reportagens policiais, que já não alimentavam mais o imaginário, aponta a televisão como substituta: "A novela dá de comer à nossa fome de mentira".

Em sua primeira peça: "A Mulher Sem Pecado", um personagem paralítico de repente dispara: "A fidelidade devia ser facultativa" e o autor, que se encontrava na platéia, afunda na cadeira, por não ter visto no público o impacto imaginado. Recomendo, de imediato, a crônica 66 repleta de frases bombásticas sobre o racismo do brasileiro.

*Vilani Maria de Pádua é doutoranda em Teoria Literária/USP, mestre em Literatura Brasileira/USP.