Jorge Antunes:uma trajetória de Arte e Política




Jorge Antunes tem a tranqüilidade de quem chegou aos 60 anos (completados em abril) com bagagem abarrotada de mais de 300 composições e a certeza de que é a vanguarda. O maestro e compositor tem cacife para usar a mesma frase proclamada pelo alemão Karlheinz Stockhausen, papa da música eletrônica que há alguns anos afirmava ser ele mesmo a vanguarda. Jorge é pioneiro da música eletroacústica no Brasil.

A revolução para Jorge Antunes, não assume, em momento algum, seu tradicional feito militar. Há a revolução estética. E há luta política. A obra de arte, para Antunes, parece seguir um caráter messiânico de libertar os povos sem necessitar pegar em armas, fuzilar ninguém... Seu temperamento é em nada bélico. Dir-se-ía, por outro lado, extremamente amoroso do mundo, amante e amigo. Seu conceito de briga passa pela defesa dos direitos numa Justiça que não deve nunca morrer. Ele acreditará sempre na Justiça. E por ela vai construindo suas peças, como para endossar seu papel, incrementá-la, torná-la mais verdadeira e difundida.



Plantou a semente das composições eletrônicas em solo tupiniquim há quase

quatro décadas e, desde então, luta para desfazer mal-entendidos quanto ao gênero. Lamenta a discriminação dentro da própria universidade — ‘‘para eles (professores) a história da música vai até Debussy’’ — e abomina o uso já banalizado da expressão ‘‘música eletrônica’’, bem conhecida de DJs e freqüentadores de raves e boates.

  ‘‘Vanguarda é uma expressão militar. Quem está na vanguarda está sempre na frente de batalha. Por isso sou vanguarda’’, explica. Para comemorar a luta constante desde que, estudante de física, encantou-se com a música de ‘‘vanguarda’’ ao assistir um concerto de Eleazar de Carvalho aos 19 anos, o compositor não quis festa.

  Até cogitou reunir todos os amigos importantes e soprar velinhas, mas preferiu transformar a comemoração em algo menos efêmero. Reuniu os amigos no livro Uma Poética Musical Brasileira e Revolucionária. Como o único homenageado de qualquer aniversário é o próprio aniversariante, natural que o livro seja única e exclusivamente sobre Jorge.

  O resultado está em mais de 300 páginas e 20 textos sobre algumas das mais importantes obras do compositor e sai pela sua própria editora, a Sistrum. Na lista de convidados entraram compositores como Gilberto Mendes, Sílvio Ferraz e Ricardi Tacuchian, aos quais se juntaram alguns dos intérpretes mais importantes do Brasil, como a flautista Odette Ernest Dias e o trombonista Radegundis Nunes Feitosa.

Engajamento político

Os textos, Jorge admite, são escritos por músicos e para músicos, mas podem também servir como instrumento para compreender melhor a obra do compositor. O lançamento em Brasília acontece em agosto, ao mesmo tempo que sai em São Paulo Jorge Antunes: Uma Trajetória de Arte Política, de Gerson Vale. ‘‘Esse é mais biográfico, uma espécie de tese sobre o papel um tanto raro que foi sempre estar fazendo uma música ligada à preocupação sociopolítica’’, adianta o compositor, professor do Departamento de Música da Universidade de Brasília e objeto de estudo de pelo menos mais quatro livros. É, portanto, dupla-homenagem. Além dos dois volumes, Jorge prepara ainda dois discos.

  O primeiro, editado pela Academia Brasileira de Música, na qual Jorge ocupa uma cadeira, traz as 12 primeiras composições do maestro e recebeu no ano passado o prêmio Rodrigo de Mello Franco, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O segundo faz parte da série ABM Digital, também da Academia, e tem registros das experiências com o GeMUnB, grupo de música eletroacústica dirigido por Jorge na UnB nos anos 70.

  A enxurrada de lançamentos é uma forma do compositor garantir que suas obras não caiam no esquecimento. A música erudita, principalmente a contemporânea, sofre desse mal e não tem o mesmo apelo que o gênero popular. E Jorge não perdoa. ‘‘Daqui a um tempo vamos comemorar os cem anos do nascimento do Roberto Carlos, mas duvido que se comemore os cem anos do nascimento de Jorge Antunes’’, compara. Bem, certamente isso vai acontecer e muito provavelmente o motivo será o tamanho da fama de Roberto Carlos, maior que a de Jorge Antunes.

  Por isso, talvez, seja tão importante para ele manter certo engajamento político. Foi assim quando compôs o Hino das Diretas Já nos anos 80, e, anos mais tarde, conduziu movimento pela adoção de novo Hino Nacional, com poema de Reynaldo Jardim. A obra só foi gravada em 2000, quando o Ministério da Cultura convidou compositores para criar sinfonias em comemoração aos 500 anos do Brasil. O tema está na última parte da Sinfonia em Cinco Movimentos, do disco Sinfonia Brasil 500 Anos. Tem música eletroacústica e música com orquestra, além de coro que recita o poema.

Expressão confusa
Música eletroacústica, aliás, é expressão que Jorge sempre faz questão de esclarecer. E daí a briga com DJs e o termo ‘‘música eletrônica’’. A música eletroacústica nasceu na Europa dos anos 1940 com a fusão das músicas concreta (manipulação eletrônica de ruídos produzidos pelo homem) e eletrônica (sons criados por aparelhos eletrônicos). No Brasil, a primeira composição eletroacústica, Pequena Peça para Mi Bequadrado e Harmônicos, data de 1961 e é de autoria de Jorge Antunes.

  ‘‘O problema é que, há uns seis anos, a mídia começou a usar o termo ‘música eletrônica’ para o que os DJs fazem. Só que eles ignoram a história’’,

lamenta o compositor, que tem projeto de usar os próprios DJs como elementos de uma obra erudita. ‘‘O evento aconteceria ao ar livre e misturaria a música eletroacústica que faço com ruídos que virariam algo dançante. Faria com os DJs o mesmo que faço com violinos ou quartetos de cordas.’’

  Enquanto o projeto não acontece, Jorge se concentra na produção da ópera Olga, sobre os últimos sete anos de vida da alemã Olga Benário Prestes, mulher de Luís Carlos Prestes. No próximo dia 28, o músico estará em São Paulo para o lançamento de Uma Poética Musical Brasileira e Revolucionária. Depois de concerto no Sesc Belenzinho, tem encontro marcado com equipe do Teatro Municipal paulistano para negociar a encenação da obra. ‘‘Em Brasília, já tentei montar algumas vezes, mas o governo nunca teve verba suficiente. Vamos ver se agora sai’’, aposta.

22 oct 2009

0 Comments: